O Parlamento aprovou novas regras relativas às declarações que muitas empresas estão a utilizar no final dos contratos de trabalho para indicar que todos os valores foram pagos.

Agenda do Trabalho Digno

No âmbito da Agenda o Trabalho Digno (uma lei que vai trazer grandes alterações ao Código do Trabalho) o Parlamento aprovou recentemente uma norma que prevê que os créditos de trabalhador “não são suscetíveis de extinção por meio de remissão abdicativa”.

  • O que é isto de “remissão abdicativa”? Trata-se de um termo técnico jurídico que significa que os trabalhadores, no final do contrato, vão deixar de poder declarar que está tudo pago e que abdicam (daí o nome “abdicativa”) de receber mais nada.
  • Declaração de fim: Com efeito, muitas empresas costumam dar assinar aos funcionários declarações que indicam que a empresa já não lhe deve mais nada. Será que estas declarações ainda se poderão utilizar até entrada em vigor da Agenda do Trabalho Digno? Com que cláusulas? E depois, como se deverá proceder?

Quitação versus remissão

Quando um contrato de trabalho cessa, seja por que motivo for (até mesmo quando é da iniciativa do trabalhador), no chamado “acerto de contas” ou “contas finais” é habitual a entidade empregadora pedir ao trabalhador que assine uma declaração onde aquele declara que recebeu a quantia de xxx€, da empresa XPTO e que tal valor inclui e liquida todos os créditos vencidos e vincendos à data da cessação do contrato de trabalho, ou exigíveis em resultado dessa cessação, não tendo, por isso, nada a exigir à empresa seja a que título for.

  • Muita atenção! Uma declaração deste tipo, ainda que se intitule apenas de “Declaração/ Recibo de Quitação” é, na verdade um contrato de remissão abdicativa e é este tipo de declaração que irá passar a ser nula.
  • O que continuará a ser possível: Dar quitação é apenas declarar que se recebeu determinada quantia pelo que essas declarações continuarão a ser válidas pois o empregador tem o direito de exigir que o trabalhador declare, por escrito, que recebeu a importância em causa. Já a “remissão” dispensa a entidade de futuros pagamentos, o que deixa de ser possível (exceto no aso de se tratar de um acordo judicial).
  • Razão de ser: O que se pretende com esta alteração é garantir que o trabalhador não abdica/ prescinde, no final do contrato, de direitos que são imperativos, como por exemplo, subsídios de férias, de Natal, pagamento de trabalho suplementar, etc… Como durante o contrato, os trabalhadores também não podem abdicar destas componentes, a alteração parece estar alinhada com o espírito da legislação laboral.
  • Mais casos a acabar em tribunal… Contudo, com as novas regras, antevê-se que irá haver um aumento de casos nos tribunais de trabalho, pois, estas declarações tinham como objetivos, evitar problemas no futuro.

E os tribunais: o que dizem?

Até agora, a maioria das decisões dos tribunais têm considerado válidas essas declarações de “tudo pago” com o argumento de que, aquando da cessação do contrato, já não há aplicação do princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, o qual apenas fará sentido durante a vigência do contrato de trabalho.

  • Decisão relevante do Supremo: Porém, a alteração aqui em análise está em linha, diríamos mesmo que surge na sequência de uma decisão recente (setembro de 2022) do Supremo Tribunal de Justiça. Nesse acórdão, o Tribunal acabou por anular os efeitos de uma declaração em que uma trabalhadora abdicava dos sus direitos.

Quanto tempo depois?

Assim, com as novas regras, o trabalhador pode vir depois pedir os créditos a que tem direito (mesmo tendo assinado a tal declaração)

  • Só até 1 ano depois! Contudo, esse direito não e eterno e prescreve após um ano a partir do dia seguinte em que cessou o contrato. Na prática, o trabalhador tem 1 ano para ir para tribunal reclamar eventuais créditos.

Até à entrada em vigor…

Finalmente, até à entrada em vigor da Agenda do Trabalho Digno, que deverá ocorrer em março/abril, ainda continuará a ser possível a utilização destas declarações, mas é necessário ter cautela. Com efeito, um tribunal poderá, mesmo sob as regras antigas, anular este tipo de declaração. Atenção! Poderá ser útil incluir uma cláusula a indicar que o trabalhador foi informado de todos os seus direitos e dos efeitos da declaração.

Base legal: Art. 337º. Do CT. Proposta de alteração à Proposta de Lei 15/XV. Acórdão do STJ – Proc. 16670/17 de 07/09/2022 Art. 863º. Do CC

As declarações podem continuar a indicar a quitação dos valores, mas sem mencionar que está tudo pago. O trabalhador tem 1 ano para reclamar eventuais créditos.